Leonardo Boff -
Depois dos alarmantes relatórios do Painel
Intergovernamental sobre as Mundanças Climáticas
(IPCC) o pior que nos pode acontecer é deixar as
coisas correrem como estão. Então iríamos
alegremente ao encontro de nosso próprio fim. Tal
atitude me faz lembrar o conhecido aforismo de Sören
Kierkegaard (1813-1855), famoso filósofo
dinamarquês, sobre o clown, um palhaço de circo. O
fato, conta ele, é que estava ocorrendo um incêndio
nas cortinas do fundo do teatro. O diretor enviou
então o palhaço que já estava pronto para entrar em
cena, avisar a toda a platéia do fato. Suplicava que
acorressem para apagar as chamas. Como se tratava de
um palhaço, todos imaginavam que era apenas um
truque para fazer rir as pessoas. E estas riam que
riam. Quanto mais o palhaço conclamava a todos, mais
esses riam. Pôs-se sério e começou a gritar: "o fogo
está queimando as cortinas, vai queimar todo o
teatro e vocês vão queimar junto". Todos acharam
tudo isso muito engraçado, pois diziam que ele
estava cumprindo esplendidamente seu papel. O fato é
que o fogo consumiu o palco e todo o teatro com as
pessoas dentro. Termina Kiergegaard :"Assim, suponho
eu, é a forma pela qual o mundo vai acabar no meio
da hilariedade geral dos gozadores e galhofeiros que
pensam que tudo, enfim, não passa de mera gozação".
Estas palavras de Kierkegaard se aplicam
perfeitamente a muitos cientistas, empresários,
bispos e até a gente do povo que pensam ser o
aquecimento global uma grande enganação ou um
alarme desnecessário . Dizem que o fenômeno é, em
grande parte, natural e que a Terra tem condições
por si mesma de encontrar o equilíbrio ótimo para a
vida. E vivem como os ricos do Titanic, rindo e se
afundando.
Por outro lado, muitos são os que tomam as
advertências a sério, Estados e grandes
instituções, também entre nós. Sabem que se
começarem agora, com apenas 2% do PIB mundial
poderão equilibrar o clima global e continuar a
aventura planetária com perspectivas de esperança.
O fato inegável é que estamos face a um problema
global. Não afeta apenas este ou aquele ecossistema
ou região mas seu conjunto, a biosfera e o inteiro
Planeta. Somos todos interdependentes e as ações de
todos afetam a todos para o bem ou para o mal.
Tardiamente, só a partir dos anos 70 do século
passado, ficou-nos claro que a Terra é um
superorganismo vivo, Gaia, que regula os elementos
físicos, químicos, geológicos e biológicos de tal
forma que se torna benevolente para todas as formas
de vida, especialmente, da nossa. Mas agora, dada a
intervenção prolongada e persistente do processo
produtivo mundial, ela chegou a um ponto em que não
consegue sozinha se auto-regular. Precisa de nossa
intervenção que vai muito além de apenas preservá-la
e cuidá-la. Temos que efetivamente resgatá-la e
curá-la. Pois, em termos cósmicos, é um planeta já
velho, com recursos limitados e dificuldades de
auto-regeneração .
Como somos o principal agente desestabilizador
pode acontecer que ela não nos considere mais
benevolentemente e queira continuar sem nós. A
dinâmica do processo de produção e consumo
ilimitados não consegue manter o equilíbrio do
planeta. Somos obrigados a mudar na linha do que
sugere a Carta da Terra: assumir um modo sustentável
de vida. Este somente se alcançará mediante a
cooperação mundial e a percepção espiritual de que o
planeta é Terra-mátria, prolongamento de nossa
própria existência terrenal.
Leonardo BoffTeólogo
enviada:Rubens Vergueiro